Como viram, meus amigos ficam à vontade para defecar em meu apê, então eu também me sinto à vontade para conversar com eles sobre certos assuntos íntimos e desagradáveis. No intervalo de uma reunião de trabalho, logo que a Manu saiu do banheiro, reclamei com ela, pela milésima vez, sobre... sobre um desconforto que tenho já há algum tempo:
- Sabe quem voltou? E que eu encontrei lá no banheiro de casa?... Minhas hemorróidas! Voltaram, não sei mais o que fazer!
- Crêdo Dênis, essa sua hemorróida já deve ser CRÔNICA!
Crônica, essas palavra passou a me perseguir desde então. Arregalei meus olhos com aquela expressão de "como assim?" e a Manu, entendendo a pergunta estampada na minha cara respondeu:
- É, CRÔNICA, uai! Você já reclama disso há tanto tempo que já virou CRÔNICA.
Mesmo assim não entendi o quê isso significava. CRÔNICA? A última vez que tinha ouvido esta palavra, foi quando minha tia Bernadete leu meu blogue e depois veio comentar comigo:
- Ah, li seu bogue. Gostei das CRÔNICAS!
De cara, achei que se tratava de um elogio. Mas se houver alguma relação com as minhas hemorróidas CRÔNICAS, minha tia pode ter feito crítica muito irônica e arrasadora!
Fui evacuar e levei o Aurélio comigo. Entre um esforço e outro... lá estava: "Crônica sf. 1. Narração histórica, por ordem cronológica. 2. Pequeno conto, de enredo indeterminado. 3. Vida de alguém." , parece que as três explicações se referem ao que tenho escrito. Engraçado, pode parecer neurose minha, mas não é que enxergo alguma relação direta com as minhas hemorróidas: "Pequeno conto, de enredo indeterminado"! Sem dúvida tem relação com as minhas hemorróidas. Continuei no dicionário e logo abaixo vinha: "Crônico adj. 1.Que dura há muito. 2.Persistente, inveterado. 3. De longa duração (doença)". Se não fosse pela explicitação entre os parenteses do item 3, já estava achando que minha tia queria dizer que escrevo textos longos demais. Será?
Apertei a descarga, me limpei e vi aquela mancha vermelha no meio da sujeira do papel higiênico. Foi olhando para aquela mancha escatológica, que uma dúvida passou a me atormentar: seria caso para uma cirurgia ou será que uma pomadinha resolveria?
É estranho que, quando expomos uma coisa assim tão intima e constrangedora, outras pessoas que também passam por sofrimento similar, acabam se revelando e tornam solidários. O Alex, que trabalha comigo, ouviu a história e logo veio dar seu testemunho consolador:
- Eu precisei fazer cirurgia, fiquei mais de mês sem poder sentar! É uma dor horrível! Você precisa ir ao médico.
- Qual médico?
A resposta não veio, niguém sabe ao certo qual o especialista desta região. Seria um proctologista, um hendócrino, um gastro, um vascular? Ai, morro de vergonha só de imagnar a consulta, o exame, arrrrgh!!
Resolvi pesquisar no google. Vi que as hemorróidas podem ser hereditárias - ah, não vou culpar meus pais por mais esse trauma em minha vida, muito menos expor suas intimidades, já basta expor as minhas. Descobri, também no google, que ler no momento da evacuação não é bom. Fiquei cismado com esta informação, será que qualquer leitura prejudica as hemorróidas? Ou será que que só as revistas semanais? Tenho observado que elas ficam mais agudas quando leio algo mais complexo como, quando lia o Zaratrustra, do Nietzsche - só de soletrar o nome dele, as maleditas, já ficavam a flor da pele. O pior foi, quando, durante o ato fatídico, cai na besteira de ler a obra ao som de "Also sprach Zarathustra" do Strauss... meus olhos quase lacrimejaram sangue!
O google aponta como especialista o proctologista. Também faz uma revelação surpreendente: cerca de 60% da população, sofre, sofreu ou sofrerá deste desconforto. Poucos escaparão! Portanto não riam da minha situção, pois um dia é muito provável que você se torne mais uma vítima.
Então, fui até a farmácia para comprar uma pomadinha que minha mãe recomendou. Mas, chegando lá, não me lembrava do nome da pomada. No balcão havia dois atendendes, um estava desocupado e o outro atendia uma mocinha muito linda e simpática. Eu fiquei disfarçando olhando as plateleiras de vitaminas ao lado, até que a mocinha ir embora. Quando ela foi embora, fui até o balconista e pedi, com aquela voz embargada pelo constrangimento, a tal da pomadinha:
- Por favor, você tem alguma pomada para... para hemorróida?
Gente, o balconista era surdo! Usava um aparelho no ouvido.
- Pomada pra quê?
Uma freira surgiu derepente, logo atrás de mim escolhendo vitaminas na outra prateleira. Eu precisava da tal pomada.
- É, eu quero uma pomada para...
O outro balconista que etava ao lado, gentilmente me ajudou na comunicação e disse bem alto no ouvido do colega:
- É a ultraprocto, aquela pomada para hemorróida.
Prontamente atendido, olhei para traz e a freira ainda não tinha escolhido a vitamina que iria levar. O balconista volta com a caixinha e me explica como usar a medicação:
- É pra uso externo, viu? Ela vem com uma cânula furadinha dos lados. Vê aqui na bula, você primeiro passa em volta do anel e depois introduz a cânula no...
Acho que ele iria falar rabo! Tenho certeza, ou algo pior! Minha reputação estava acabada! Interrompi o atendente antes dele terminar a imprudente frase:
- Ótimo, quanto é?
Eu já suava frio, queria sair dali o mais rápido possível, desaparecer. Peguei a caixinha e fui correndo ao caixa. Logo atrás de mim, a freirinha. Ela também parecia emcabulada, talvez por respeitar a minha condição. Paguei ao caixa e fui saindo sem pegar o troco. Ao perceber, voltei ao caixa, a freira estava passando suas vitaminas e, entre elas... uma caixinha de ultraprocto! Nos olhamos, trocamos aquele sorriso amarelo, peguei meu troco e fui correndo pra casa.
(...) Alguns dias depois... a CRÔNICA, ainda não acabou. A pomada não funcionou. E olha, que segui direitinho a orientação da bula! ARRRRGH!
Dênis Goyos
Um comentário:
A sua tia leu o seu "bogue"? O que significa isso?
Adorei a sua crônica de sangue.
Escreve mais aí, vai!
Beijo.
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