quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Férias do Ap.4 - Parte VII: Destino Ubatuba

Nosso destino era, e sempre foi, passar o reveillon no bar de dona Palmira, mas assim como o herói trágico tenta controlar o poderoso Destino e descobre, ao final de sua saga, que este lhe é implacável, eu e Léo, também tentávamos fugir do que nos era prometido: reveillon no bar de dona Palmira acompanhado daquela música que saia dos auto-falantes do capô de um carro. Para aturar nossa tragédia, o melhor era nos resignar e encerrar a noite gastando aqueles míseros oito reais em qualquer coisa alcoólica. Pena que a caipirinha custava cinco reais, alguém ficaria sem o drinque. Mas, nada é problema se temos o Léo, com seu grande poder de persuasão, por perto:

- Opa! Mocinha, qual seu nome mesmo?
- Elaine.
- Então, Elaine, será que você não poderia dar um descontinho pra nós, e nos vender duas caipirinhas por oito reais?
- Ah, não posso, o bar não é meu.
- Pô Elaine! Mas a dona não está aqui agora, né? Você não tem autonomia para dar este descontinho de dois reais pra gente? Dá vai!
- Então pede pra dona, ela tá logo aí atrás de você!

Era verdade, logo atrás de nós, estava ela em pessoa, o grande mito de Ubatuba! Ela, a Deusa das barraquinhas, ao lado destes dois reles mortais estava a Dona Palmira!

Dona Palmira tinha uma voz doce e calma, os cabelos longos e lisos, vestia uma saia que cobria até as canelas e um sapatinho tipo mocassim - ela era uma evangélica! Mas nada disso era capaz de intimidar meu amigo de Ano Novo, Léo:

- Opa! Com licença, dona Palmira?
- Pois não?
- Em primeiro lugar, quero lhe desejar um Maldi...
- Feliz, um Feliz Ano Novo! – Interrompi e corrigi a frase, antes que ele a completasse de maneira inapropriada para o momento.
- Era exatamente isso que eu estava dizendo, nós lhe desejamos um Feliz Ano Novo. Também gostaria de dizer que é um prazer conhecer a famosa dona Palmira, dona das melhores barraquinhas de todo o litoral paulista...

E assim, com sua lábia infalível, Léo foi enrolando dona Palmira até que ela cedeu as caipirinhas com o desconto que precisávamos.

Agora sim! Nada poderia estar melhor, a caipirinha já acalmava nossos ânimos. Eu poderia ficar ali até o amanhecer, escutando aquele som horroroso sem me incomodar. Encostei minha lombar no balcão do boteco e fiquei observando os caiçaras dançando. O Léo, que já tinha conquistado a simpatia da patroa, agora estava empenhado em xavecar a meninha que trabalhava no bar – a mesma que não queria nos dar o desconto.

De repente, uma correria. Um “pega-prá-capá”. A bebida exalou os ânimos da rapaziada. Alguém mexeu com a mulher de alguém, enquanto dançava. Gregos contra troianos. Um jovem caiçara derruba outro, não tão jovem, no chão.
- Léo olha briga, Léo! - tentava eu, chamar a atenção de meu amigo mas, ele estava tão entretido no papo com a menina, que precisei chamar a atenção dele mais umas três vezes: - Olha briga Léo! Olha a briga! Olha a briga!

Finalmente ele saiu do transe em que estava. Dona Palmira e a mocinha disseram-nos para que mantivéssemos distância da confusão. Então ficamos ali mesmo, parados e imóveis, só olhando, afinal, o trajeto para nossa fuga passava inevitavelmente pelo meio da pancadaria.

- Maldito Ano Novo, Léo! - disse eu.

Finalmente chegou a turma do “deixa-disso” que tentava separar-los, mas os dois gladiadores embriagados insistiam na briga. Não era possível saber se eles caiam no chão por causa dos golpes do inimigo, ou por causa da bebida. O tumulto parecia não ter fim.

- Olha a faca! - alguém gritou.

Outro disse:

- Vou buscar o ferro e meter uma azeitona na sua testa moleque!
- Acabou a festa! Vai todo mundo embora pra suas casas agora! - Interveio gritando, a toda-poderosa e deusa mitológica, dona Palmira, que baixou as portas do bar o mais rápido possível.

Eu e Léo ficamos do lado de fora assistindo, imóveis, à tudo. A turma só dispersou quando alguém gritou:

- A polícia tá chegando aí!

O carro de som baixou o seu capô e saiu levantando poeira. Ninguém quis ver o se era verdade o tal alarme, finalmente a confusão se dissipou.

Por alguns instantes, eu e Léo, ainda permanecemos ali imóveis, com as caipirinhas e as nossas garrafas vazias em cada uma de nossas mãos.

- Acho que já podemos ir embora – disse eu.
- Caráca, quase que a gente testemunha uma tragédia! Que doideira!
- Ouvi dizer que 2008, segundo os astros, será o ano de grandes conflitos e revoluções... acho que isto deve ter sido somente um pequeno presságio.
- É meu amigo: Maldito Ano Novo! - respondeu-me Léo, com ironia.

Demos gargalhadas aliviando a tensão e fomos embora... mas sempre tem alguma coisa no meio do caminho que adia nossa volta...

Continua no caminho de volta pra casa...

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